É sempre bom lembrar que Olympe de Gouges não se limitou a contestar o sexismo e a misoginia hegemónicos do seu tempo mas, também, a escravatura e o tráfico a ela associados. Em inflamados panfletos e peça de teatro que a não fizeram muito popular junto das autoridades do dia, designadamente o sanguinário Robespierre. A guilhotina tirou-lhe, literalmente, a incómoda voz. E que o movimento das mulheres cristalizado no Encontro em Seneca Falls, onde Sojourner Truth pronunciou o seu célebre ‘Ain’t I a Woman?’, vem directamente da tomada de consciência da relativa similitude da situação das mulheres (‘brancas’, subordinadas aos maridos) aos escravos (homens e mulheres ‘negros’, escravizados e explorados pelos seus senhores e proprietários).

E ainda que a abolição da escravatura e do tráfico de carne humana deve tanto ou mais às revoltas nas Colónias e à pressão da alteração dos sistemas económicos na sede dos Impérios como à bondade e consciência dos sempre celebrados Abolicionistas e seus inflamados discursos em Westminster ou alhures.

E que o Apartheid perdurou legalmente na República da África do Sul e nos Estados Unidos da América do Norte até há… ‘meia dúzia’ de anos. E continua a existir, de tantas formas e maneiras, em tantas latitudes e de tantos feitios e formas. Nas práticas do dia-a-dia. Na linguagem comum, nos insultos, na violência policial ou carcerária ou dos media em geral e em particular nas agora chamadas redes sociais, nas representações humilhantes, nas caricaturas ou nos crimes de ódio. Nos homicídios de ódio, de Alcindo Monteiro ou Bruno Candé, que ecoam os de Amílcar Cabral ou Eduardo Mondlane. Ou da vereadora e ativista brasileira Marielle Franco, cobardemente assassinada – há uma longa tradição de assassinato de opositores políticos mais ou menos incómodos, desde os meandros do Império Romano ao Estalinismo do século passado ou todas as variantes das sanguinárias ditaduras latino-americanas ou africanas ou europeias. A irmã de Marielle, Anielle Franco, actual Ministra da Igualdade Racial do Brasil, deu-nos a honra de nos visitar na Nova School of Law, e foi por nós assumido o compromisso de honrar a memória da irmã assassinada, através da criação de um Prémio com o seu nome. O de Amílcar Cabral será o ‘natural’ parceiro, mas os nomes de Bruno Candé, Alcindo Monteiro ou outros não serão esquecidos.