Abordar a questão do racismo essencialmente a partir desses marcadores pode conduzir-nos, mesmo sem querermos, ou até darmos por isso, a legitimar os mecanismos e processos sociais que estão na origem da construção desses sistemas de poder hediondos que tantos crimes possibilitaram. 

Mais recentemente, o nazismo e outros nacionalismos fizeram a marcação da diferença em relação ao outro pela cor da pele, pelo ‘pingo de sangue’ (retomando a tradição da Santa Inquisição…), pela variação da etnia, como a cigana, ou pela hoje comummente designada orientação sexual, entre outras.

 É justamente a discriminação contra a população Roma (‘cigana’) que continua a preocupar a ECRI (Conselho da Europa), segundo o Relatório Anual de 2022 (“…it is high time to take effective action to encourage Roma and witnesses to police abuse to come forward, provide them with appropriate support and ensure better police” accountability.
O mesmo se pode dizer quanto à discriminação baseada na orientação sexual ou na identidade de género, cuja relevância e gravidade a ECRI parece querer testar face aos mecanismos legais que já rejeitaram verdadeiramente o respeito e a produção de normas de tipo ‘recomendação’ sobre o assunto. («In 2023, ECRI is committed to adopt a new General Policy Recommendation on intolerance and discrimination against LGBTI people.»)

O racismo é um dos sistemas de poder que as sociedades contruíram ao longo do tempo para acentuar e pseudo-justificar as desigualdades sociais. Nas nossas sociedades há múltiplos outros, como o de classe, de género, religião, cultura, tradições, hábitos de vida, sobrepondo-se, multiplicando-se e interseccionando-se diferentemente, conforme o contexto socio-histórico. 

A chamada de consciência para essa interseccionalidade, como hoje tendemos a dizer, na esteira de Kimberley Krenshaw, na verdade surge alguns anos antes, curiosamente, no contexto do Congresso dos Povos do Leste organizado pelos bolcheviques em Baku, Azerbaijão, no ano de 1920. 

Sendo o primeiro evento público em que o movimento comunista internacional tentou articular no mesmo discurso político as categorias de classe, género e raça, há uma interessante ‘prefiguração’ do que hoje designamos por “interseccionalidade” (Brigitte Studer, citada por Enzo Traverso, Revolution. An Intellectual History 2021, Verso, p. 429).